Navios de Cargas Geral Antes do Container
A faixa do cais fervilhava de gente. Vozes, ruído de guindastes, apitos de rebocadores, buzinas, tudo em um burburinho de sons que a gente até nem mais se incomodava. Na “parede”, antes das 7 horas, um grupo de estivadores se apinhava aos gritos, mãos para cima mostrando a credencial, tentando pegar a senha. E, seguida corriam em disparada para o navio. Um desavisado poderia até achar que tinham pressa em trabalhar. Ilusão….
Caminhões enfileirados esperando a vez, empilhadeiras ocupadas no leva e traz de pallets entre costado e armazéns, vagões atravessando a faixa do cais, e diversos outros veículos que congestionavam a zona primária, num frenesi cotidiano que só quem viveu aqueles tempos pode entender.
Baixada a escada, subiam a bordo a Saúde dos Portos, a Alfândega e o DOPS, o órgão encarregado no controle de entrada e saída de pessoas do Brasil. A visita era regada a bebidas e petiscos, e as autoridades sempre saíam com o souvenir: uma garrafa de whiskey, vodca, conhaque, ou um pacote de cigarro. Era de praxe. A tripulação, ansiosa por ir à terra, esperava terminar a visita para encontrar seus “amores” da Rua General Câmara, que muitas vezes aguardavam do lado de fora do portão. Poderiam enfim desfrutar dos muitos dias de escala do navio no porto – algo impensável em nossos dias.
Nos porões dos navios tinha de tudo. Engradados, atados, caixaria, tambores, sacaria, fardos, carga solta como máquinas, veículos, e até mesmo animais vivos em alguns casos. E vários estivadores e consertadores lá dentro fazendo e desfazendo lingada, reparando embalagens e tudo mais que fosse preciso. E, claro, tinham os vigias para evitar os roubos de carga de alto valor nos porões, que ainda assim ocorriam corriqueiramente.
Tudo isso se foi, quase que de súbito, com a popularização do container. Em alguns anos o cenário mudou, os navios mudaram, a estrutura de costado se transformou, e toda essa agitação de cais e bordo foi substituída por guindastes titânicos como portainers, shiploaders, MHCs, ou tug masters, stackers, terminal tractors, etc., e por alguns poucos operadores portuários munidos de walktalkies e um número bem menor de trabalhadores sindicais.
Algumas operações ainda possuem parte daquelas características, mas são cada vez mais raras. Saudosistas, como meu, se perguntam se tudo aquilo voltará com a atual crise no segmento full container e a surpreendente busca por navios break bulk outra vez. E até torcem por isso.
Mas, embora saudosista, eu não creio que volte como era antes. E não torço por isso. Os tempos mudaram. A tecnologia mudou. A realidade não é mais a mesma, e não faz sentido já nesse primeiro quarto de século XXI, como toda a demanda por bens de consumo e produção, querermos retroceder em agilidade, custos e eficiência.
Cabe, porém, uma reflexão sobre o futuro. Ficou provado que o sistema é frágil, e que basta uma crise grave como a Covid-19, ou um encalhe em uma rota tão vital como Suez, para que surjam gargalos que impactam em toda a cadeia logística. Cabe aos departamentos de planejamento simular situações semelhantes para evitar que, caso surja uma nova crise global como a que vivemos, não sejam pegos de caças curtas.
No mais, fica para os fósseis (estou quase virando um) só a saudade e o aprendizado de um tempo em que os fundamentos de Shipping eram praticados com mais pureza. Experiência de vida e aprendizado que hoje me permitem compartilhar do pouco com os que buscam entender como funciona o mercado de carga geral/break bulk.